sábado, dezembro 11, 2010

"Arrábida" - Teixeira de Pascoes




"A Arrábida é o Horeb da Saudade, o monte sagrado onde ela aparece a vez primeira, encarnada no seu divino ser. Esparsa em névoa melancólica e amorosa em Bernardim, Luís de Camões dá-lhe o sentido cósmico e profundo que em Frei Agostinho da Cruz se diviniza. A névoa antiga condensou-se no espectro camoniano da Natura, para amanhecer, em perfeita aurora espiritual, sobre os ermos místicos da Arrábida."

Teixeira de Pascoaes



"Só há felicidade para o homem quando o archote da dor intensa se acende nele; é somente então que começa seu nascimento espiritual; é então que, a exemplo dos profetas, ele grita dia e noite e se lamenta pelo seu fado e pelo destino da posteridade humana. Deita-se em meio a suspiros; passa a noite em lágrimas; levanta-se ainda chorando e, durante todo o dia, carrega amargura em seu coração. Assim é a dura prova pela qual é preciso que o homem de verdade espere vir a passar. Enquanto ainda não chega lá, não lhe é permitido se considerar como já nascido."

Louis-Claude de Saint-Martin

segunda-feira, dezembro 06, 2010

Saudade - António Barahona


A Saudade é a essência da Poesia. Todos os homens têm um passado: armazenam na memória momentos e eventos que lhes deixaram sulcos de desejo, aberturas para o futuro através das quais vislumbram o passado novamente ao seu encontro como possibilidade redentora; mas só alguns, muito poucos, os Poetas, cultivam e contemplam, conscientemente, o tempo volvido em eterna promessa.

A Saudade é um sentimento, que inclui uma espécie de programa, melhor diria empreendimento, em relação ao Desconhecido; não constitui apenas o sofrimento provocado por algo que existiu e desapareceu, legando um vazio de valor, mas também e principalmente num ímpeto de alegria melancólica a caminho do Império do Futuro, que é o Momento Presente, o único ponto no tempo em que a eternidade faz um buraco para dar passagem ao Amor Humano.

O facto de a palavra Saudade não ser vertível em nenhum idioma do mundo, assinala Portugal como fundador do Verbo Inspirado: o primeiro sítio no planeta, depois do aparecimento do homem, em que se ouviu cantar uma voz que evocava o passado todo de silêncio, servindo-se das suas partes, em pausas melódicas, a fim de criar o ritmo poético.

O Mito antecipa-se à História como Realidade Revelada, e a Lenda encerra, na sua etimologia, a Verdadeira Leitura Correcta do que se deve entender como Sinal Genuíno da História.

Em todas as línguas articuladas no mundo, incluindo as classificadas erradamente como mortas, que são, afinal, as mais vivas e vívidas, faladas na solidão entre o homem e Deus, ou entre Deus e multidões de homens numa assembleia de som, em todas as línguas articuladas no mundo, dizia, há palavras intradaduzíveis, (em sentido absoluto todas o são), que, por exprimirem sentimentos inerentes à idiossincracia religiosa dos que as proferem, exigem a sua anexação e a sua exegese, por analogia ou indeclinável diferença, veiculando, assim, o enriquecimento do léxico e a aquisição de sabedoria.

A palavra Saudade é um exemplo flagrante do que acabo de transmitir. Surpreendêmo-la em autores estrangeiros, como Blaise Cendrars, que descobriram que, ao entoá-la como mantra, isto é, como anáfora, o sentimento, que tal palavra exprime, integra a essência da Poesia em simultaneidade com a ciência, auxiliar do Poeta provocador da visão sagrada: teofania.

Também nós, portugueses, sentimos coisas para as quais não temos nome, mas basta viajarmos e aprender outras línguas, vivendo conforme os costumes e tradições ancestrais dos autóctones, para depararmos com as designações apropriadas, em vocábulos estranhos, tornados, de repente, estranhadamente familiares.

Saudade e Poesia Portuguesa trazem-nos imediatamente ao bico da pena os apelidos de Camões e Pascoes, os apelidos que representam, com mais eficácia, a alma da Pátria, em perpétua lucidez e activa submissão à Monarquia divina, que nada tem a ver com os aspectos absortos e soberbos da política literária local, mas sim, e exclusivamente, com o céu astrológico de Portugal, configurado na constelação do Espírito Santo, visível, de olhos fechados, de qualquer ponto do Universo.

A Saudade, portanto, é comum à Poesia Universal, mesmo oculta, isto é, mesmo quando tal palavra mântrica, que confere discernimento, é ignorada; e, na Poesia Portuguesa, a Saudade é primordial e perene, porque, repito, foi aqui, na Andaluzia, que abrange a actual região deste topónimo e Portugal, que, pela primeira vez, a voz humana vibrou saudosa, continuando, até hoje, o seu eco no deserto.

30.VIII.89

António Barahona
in "Os Dois Sóis da Meia-Noite", Átrio, 1990