Na língua portuguesa há um certo número de palavras, altamente expressivas do que a nossa sensibilidade possui de mais íntimo e característico, e, por isso, sem equivalentes nas outras línguas.
Mas nós não conhecemos ainda uma célebre palavra, animada pelos dois princípios religiosos que definem a alma pátria.
Não precisamos de reunir vários sentimentos comuns dos portugueses, para com eles desenharmos o seu carácter moral. Conhecemos um que o define por completo. Refiro-me à Saudade.
Analisai-a e vereis logo os elementos que a formam: desejo e lembrança, conforme Duarte Nunes de Leão; gosto e amargura, segundo Garrett.
O desejo é a parte sensual e alegre da Saudade, e a lembrança representa a sua face espiritual e dolorida, porque a lembrança inclui a ausência duma cousa ou dum ser amado, que adquire presença espiritual em nós.
A dor espiritualiza o desejo, e o desejo, por sua vez, materializa a dor. Lembrança e desejo confundem-se, penetram-se mutuamente animados da mesma força vital e assimiladora; e precipitam-se depois num sentimento novo, que é a Saudade.
Pelo desejo e pela dor, a Saudade representa o sangue e a terra de que descende a nossa Raça.
Desta forma, aqueles dois ramos étnicos que deram origem aos povos latinos, encontraram na Saudade e, portanto, na alma portuguesa, a sua divina síntese espiritual.
A Saudade pelo desejo (desejar é querer, e querer é esperar), em virtude da própria natureza do desejo, é também a esperança, assim como é lembrança pela dor.
Pela esperança e pelo desejo, a Saudade é Vénus; pela dor e pela lembrança é a Virgem Dolorosa.
As duas Deusas confundem-se neste sentimento essencial dos lusíadas, originando um nova Divindade que é o símbolo vivo da alma pátria...
Teixeira de Pascoes
In "Arte de Ser Português", Renascença, Porto,
1915
sexta-feira, julho 14, 2006
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